Yvo JD Peeters : “Língua e identidade” (1991)

Em 17 de Agosto de 1991 a AGAL publicava, num caderno amarelo de 116 páginas, sob o título Poder, ideologia e língua, os principais contributos, relatórios, documentação gráfica e intervenções nos colóquios extraídos das jornadas de Planificação linguística (Audition Internationale sur la planification Linguistique en Galice), que decorreram da Sala de Cultura de Caixa Galicia em Ourense, os dias 2-4 de maio desse ano, sob a coordenação de Mª do Carmo Henríquez Salido e de Yvo Peeters, Conselheiro experto do Conselho de Europa.

O volume coordenado pelo Dr. Peeters, celebrava e vinha fechar os 10 primeiros anos de andadura da AGAL, a apresentação de Mª Do Carmo Henríquez Salido, oferece um resumo dessa primeira década da Associação reintegracionista, que fora fundada em 1981.

A Audition tinha por objetivos:

a) Debater o relatório “Quinze anos de normalizaçom linguística na Galiza (1976-1990)” apresentado pelos professores Fernández Velho, Henríquez Salido e Rodriguez Vilarinho e assumido pelo Conselho da AGAL.

b) Contribuir à constituição de uma Plataforma Nacional para a Planificação Linguística.

c) Procurar novas estratégias de trabalho para ultrapassar o discurso de boa-vontade-regionalista dos poderes públicos galegos.

d) Analisar desde a perspetiva do Galego-português os desafios e possibilidades no esquema das políticas para as línguas de minorias articuladas pelas Instituições Europeias.

O conteúdo das jornadas foi:

2 de maio

Manhã: Leitura do Relatório 15 anos de Normalização pelo prof. Rodríguez Vilarinho. Debate.

Tarde : Relatório Língua e identidade, do prof, Yvo JD Peeters (Conselheiro-Experto do Conselho de Europa, Co-redator da Carta Europeia dos idiomas regionais e minoritários e da Declaração universal dos Direitos linguísticos).  Colóquio.

3 de maio

Manhã: Língua e Poder, relatório do Dr. Andrea Chibatelli (Roma, Itália. Secretário  da delegação Italiana na Assembleia Europeia, autor de obras como La communication internationale et l’avenir des langues en Europe, Unità Europea e Pluralitá delle culture e La politica del ensegnamento delle lingue). Coloquio

Tarde. Língua e Ideologia, relatório do Prof. Dr. Jean Louis Calvet (Univ. de Paris, França, autor de La guerre des Langues e Linguistique et colonialisme). Colóquio.

4 de maio

Manhã: Relatório Língua e direito do Prof. Dr. Guy Heraud (Univ. de Pau, França, autor de L’Europe des Ethnies e Les communautés linguistiques en quête d’un statut).  Colóquio

Ultimas horas da manhã. Debate e Redação das Conclusões

As jornadas complementaram-se com a “IV Mostra do livro português” ubicada no Museu municipal. Cumpre destacar o peso dos relatores, a notável participação de público e o grande trabalho organizativo das equipas da AGAL. É também reveladora, para situarmos o contexto, a nota no final do Prefácio-Crónica:

“A Associaçom Galega da Língua enviou convite a todos os partidos políticos políticos presentes na Galiza, a todos os sindicatos e a numerosas associaçons culturais como “Federación de Asociacións Culturais Galegas” (A Corunha), “Asociación Sociopedagóxica Galega” (Santiago), “Mesa Pola Normalización Linguística” (Santiago), “Asociación de Escritores en Língua Galega” (Santiago), etc. mas nom obtivo resposta de nenhuma delas, a nom ser a presença de umha representante do “BNG”.

Na IV Mostra do livro português – Ourense

No momento, e nos anos a seguir as teses do professor Dr. J. L. Calvet (guerra de línguas, guerra de símbolos, colonialismo, línguas minoritárias, modelos insurgentes) dominaram em boa medida o discurso dos grupos de ativistas linguísticos e também as linhas centrais de boa parte da Sociolinguistica galega.

Porém, hoje queremos destacar, como pioneiras e talvez mais interessantes numa aplicação presente de futuro, as propostas de Peeters.

O seu relatório (traduzido daquela pelo académico J. M, Barbosa Alvares) merece um destaque. Talvez, na altura a sociedade galega, ou os grupos de ativistas da língua não estavam preparadas para as análises e propostas do Assessor Europeu. Mas correu o tempo e   as suas perceções resultaram mais adequadas e as suas análises sobre o processo galego (entendido como “Estatalização linguística”, ou desenho por parte do Estado da política linguística para as minorias) ficaram mais evidentes.

“A língua é um dos elementos mais importantes da identidade individual, assim como colectiva do homem e dos povos e isto sob as suas duas funçons fundamentais: a representativa e a comunicativa (J. P. Bronckart, 1985). […]

Traficar com a língua de um povo é em conseqüência umha accçom por natureza, extremadamente grave, já que se toca a sua alma mesma.

Nengumha política linguística pode pois ser elaborada à ligeira, as conseqüências podem ser irrelevantes.

A responsabilidade de aqueles que nos governam, neste ámbito, é total. […]

Enfrentamo-nos na Galiza a umha política que definiríamos de estatalizaçom lingüística.

Por “estatalizaçom ñlingüística” entendemos o contrário da dinámica de autodeterminaçom, quer dizer, umha estrutura estatal ou mesmo infra-estatal (nos Estados federados ou regionalizados) que se justifica a posteriori ao se outorgar umha identidade lingüística pola via política. […]

De facto, nom fica, pois, na França mais que umha só comunidade lingüística privada totalmente de todo reconhecimento oficial, os flamengos. Porque, na sua maioria, sempre fugirom de ser encerrados num dialectalismo desmedido promovido por certas organizaçons a soldo de Paris; som os únicos na França que nom têm nengum ensino público da sua língua: O neerlandês![…]

Isto leva-nos naturalmente a Galiza, onde eu nom devo descrever a situaçom.

É suficiente quiçá fazer observar que o número de portugueses se corresponde ao número de falantes galegos numha medida comparável de relaçom dos Paixes-Baixos a respeito de Flandres, isto é 2/3 – 1/3, o que nos leva a reformular a proposta feita aqui, há alguns anos, de propor a conclusom de um acordo tipo UNiom Lingüística entre a Galiza e Portugal.

Aos que me rebateriam dizendo que para isto falta a vontade política no Estado português, eu responderia que esta mesma vontade nom existia mais que de uma forma extremadamente limitada nos Países-Baixos e que o Tratado na Uniom Lingüística tem sido imposto praticamente por Flandres desde o momento em que tinha os meios políticos, quer dizer a partir de 1970.

A modo de conclusom destas propostas sobre língua e identidade é útil insistir sobre o facto de que é necessário dissociar a identidade lingüística de tal ou qual pertença política ou estrutural e que é totalmente possível, ser cidadao espanhol, galego, e falar português, tal e como se pode ser cidadao italiano, tirolês e falar alemam.

Chega com querê-lo primeiro e tirar as conclusons políticas depois.”

Podem, pois, ser entendidas e resgatadas as estratégias por ele propostas em contraste, tendo em conta o português e num marco institucional europeu, num contexto e discurso no reintegracionismo e no ativismo linguístico galego muito mais favorável.

O colóquio-debate a seguir ao seu relatório, pode se considerar em boa medida, um Auto no estilo Gil-vicentino: com as fotografias e posições fixas que durante muitos anos dominaram o debate linguístico galego arredor do reintegracionismo.

 

Descarregar pdf: Peeters 1991 – Língua e identidade-1

Yvo JD Peeters :“Língua e identidade. Coloquio” em Poder, ideologia e língua, Corunha: AGAL, 1991,  p.46-55.

 

Banhos Campo, Alexandre : “A Estatalização Linguística segundo o Dr Yvo JD Peeters”em PGL,

 

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