DENUNCIO E ACUSO, como cidadão e vice-presidente da Associação de Amizade Galiza-Portugal, a direção da Escola Oficial de Idiomas da Corunha e a Delegação Provincial de A Corunha da Conselharia de Educação da Junta da Galiza de perpetrar uma persecução por motivos restritamente político-ideológicos contra o prof. do citado centro educativo, Jesus Sánchez Sobrado. Este não é o primeiro caso nem será, infelizmente, o último de perseguição de salientados lusistas (Alonso Noceda, João Guisam, António Gil, Isaac Estravis, etc.), mas advirto que os lusistas não desistiremos de denunciar estes casos à opinião pública galega, aos organismos competentes da Comunidade Europeia e às autoridades académicas e governativas de Portugal.
A opinião pública internacional deve conhecer que na Galiza se discrimina e persegue a quem ensina e escreve o galego como uma variante do diasistema linguístico galego-português.
A acima mencionada Delegação da Conselharia de Educação efetuou uma série de notificações de trámite de audiência –que não se atêm aos requisitos fixados pela Lei de Procedimento Administrativo– dirigidos ao prof. Sánchez Sobrado para se informar sobre uma denúncia dos alunos contra a atividade docente do citado professor. O professor presume -presume, pois em ditas notificações, não feitas à morada do notificado (como preceitua o art. 80 da LPA) não se explica o motivo da denúncia, algo também preceptivo legalmente– que a acusação se baseia em discrepâncias de uma minoria de alunos, pertencente à uma das turmas (das várias que estão a cargo do professor), contra a orientação docente seguida pelo mencionado professor. Orientação, que –regendo como princípio fundamental um critério de máxima liberdade, tanto na aprendizagem quanto no uso do padrão ortográfico– focaliza o ensino da língua na sua dimensão histórica, nacional e internacional, quer dizer, numa perspetiva galego-portuguesa, que inclui, evidentemente, o trabalho com textos escritos no galego conhecido no âmbito internacional como português. Essa minoria de alunos, beligerantes em favor do “galego-espanhol”, exigia-lhe ao professor que ministrasse exclusivamente o programa da disciplina na normativa ortográfica (que eles chamam, de forma errónea, oficial) do Instituto da Língua Galega / Real Academia Galega e que “deixara a sua ideologia personal na casa á hora de realizar a sua tarefa docente”, ameaçando-o com boicotar as aulas no caso de introduzir qualquer texto em português.
Como é possível que a Conselharia de Educação dê pábulo a uma argumentação de um grupúsculo de alunos, guardião da ortodoxia ortográfica, contrária a toda lógica pedagógica livre e crítica? Será porque a Conselharia da Educação não é mais do que uma Conselharia de Educação Ortográfica Ortodoxa? Talvez também a Escola Oficial de Idiomas de Corunha será uma Escola de Ortografia Oficial de Idiomas para crianças? Não é um centro de ensino superior especializado para alunos adultos?
Como se coarta a liberdade de cátedra e de expressão desde desde os poderes públicos, dando trámite a esse tipo de denúncias?
Num sistema político de liberdades públicas não se pode ensinar que o galego e o português são variantes do mesmo sistema político? Que saibamos as Escolas Oficiais de Idiomas não têm um “Idearium” escolar, como alguns colégios privados, que tenha de ser respeitado pelos professores no exercício da sua atividade docente. Em qualquer caso, tal idearium também não poderia atentar contra os princípios e valores que inspiram a Constituição. A vigorante Constituição Espanhola (art. 14), o Estatuto de Autonomia de Galiza (art. 5.4)? e a Lei de Normalização Linguística Galega (art. 5) proíbem a discriminação por razão de língua. Se não se pode discriminar por razão de língua, menos se poderá discriminar por razão de ortografia!
Num Estado de Direito não se pode notificar aos interpelados os trámites de audiência sem observar as regras da segurança jurídica, que obrigam a que a notificação se faça à morada do interpelado e indicando nela o motivo da interpelação. Quê preceito legal tipifica como delituoso explicar o galego como uma variante do português? O chamado Decreto de normativização da língua galega de 27 de novembro de 1982, só obriga aos professores a que ensinem em todos os centros escolares as normas ortográficas anexas ao citado Decreto (art. 4). O qual, mesmo se poderia fazer desde a utilização de outra ortografia distinta e sem que se possa impedir que os professores critiquem as chamadas normas oficiais e defendam de forma científica e pedagógica outras normas.
Quê classe de farisaísmo é esse de que a Conselharia da Presidência da Junta edite, sufragado com dinheiro público dos que somos contribuintes galegos, um livro da autoria do Chefe da Junta de Galiza em português (“Galiza e Portugal no marco peninsular”) e que, por contra, a Junta não subsidie – comprando trescentos exemplares da edição, como faz com os editados nas normas anexas ao Decreto de normativização, segundo estabelece outro Decreto da Junta– os editados em galego reintegrado parcial (que se aproxima ao português) ou em galego reintegrado total, quer dizer, em português?
Não é sarcasticamente paradoxal que o
Ministério de Educação de Madrid conceda um subsídio de 500.000 pts. às “Irmandades da Fala”, para a celebração de um “Congresso Internacional da Língua Portuguesa no mundo (Homenagem ao professor Lindsey Cintra)”, quando os poderes “xunteiros” não têm dado um cêntimo aos lusistas galegos? Não é comicamente paradoxal observar como a Junta de Galiza cria cátedras de “Galego-espanhol” em Oxford ou em Buenos Aires, quando nas universidades de Barcelona, Madrid e Salamanca as cátedras de galego estão integradas nos Departamentos de Português?
Qual é o liberalismo dos “persoeiros da Xunta”, partidarios do mercado livre, contrários à todo tipo de intervencionismo estatal, mas inquisitoriais defensores da ortografia chamada oficial? Por que os paladinos da livre concorrência em matéria económica são inimigos da livre competência em matéria de normas ortográficas? Será porque temem que os membros da Igreja Ortográfica Oficial renegariam da sua dogmática fé ortográfica ao não poder contar com as bolsas, subsídios, prêmios, cargos, que tão generosamente lhes repartem os poderes públicos e instituições culturais oficiais? Quê pretendem? Pretendem domesticar àqueles heréticos ortográficos que não vivem do “galego de nómina”, reduzindo a sua dissidência linguística por condena a desemprego, caso de que não se “vendam” ao oficialismo? Eliminar desta forma os lusistas seria uma prática de competência desleal. Quando, em contrapartida, assistiremos uma operação da Procuradoria Geral do Estado contra o “cártel” ortográfico do Instituto da Língua Galega / Real Academia Galega / Junta da Galiza / editoriais oficialistas, que desmantele o existente “narcotráfico” ortográfico oficialista?
Para salvar a nossa alma, os membros da seita herética dos lusistas teremos de nos converter à Igreja Ortográfica Oficial? Poderemos os dissidentes lusistas ser cidadãos com plenos direitos numa Comunidade Autónoma Não “Constantiniana” (chamamo-la assim pela união que se dá entre a estatal Junta de Galiza e a Igreja Ortográfica Oficial da Real Academia Galega)?
Onde a liberdade de expressão? Esmagada. Onde o Estado de Direito? Desaparecido. Onde o princípio de igualdade? Apenas na folha de papel da Constituição. Onde o respeito à crítica científica? Apenas nas inscripções dos frontispícios dos edifícios universitários. Isto é o fim da liberdade e o princípio da Ditadura Ortográfica!
Publicado em Diario 16 de Galicia, 2 de Julho de 1992Xavier Vilhar TrilhoProf. de Teoria do Estado e vice-presidente da Associação de
Amizade Galiza-Portugal