Qualquer leitor de livros galegos estará habituado a encontrar no colofom de muitos deles o tópico Rematouse de imprentar, ou alguma formulação muito similar1.
Um disparate difícil de extirpar
Esta fórmula –que normalmente será devida mais aos editores que aos próprios autores– é um de tantos diferencialismos propiciados pela anormalidade da nossa situação idiomática. Tudo o que fosse coincidente com o castelhano considerava-se “pouco galego”, insuficientemente caracterizador da individualidade da nossa língua frente à castelhana, e para fugir dessa coincidência alvitravam-se curiosas e artificiosas variações, criadas por diversos procedimentos. Não pode haver dúvida da boa intenção de semelhantes tentativas; mas, na realidade, os inventores desses artificiosos diferencialismos anti-castelhanos, sem dar-se conta estavam submetendo-se ao influxo castelhano, pretendendo fugir dele. O grave é que, sem pretendê-lo, estavam com isso corrompendo a autenticidade do nosso idioma. Um maior contacto com a área luso-brasileira, onde a nossa língua se desenvolvia de modo natural, sem a premente interferência espanhola sofrida na Galiza, teria evitado estes penosos percances.
Alguns desses diferencialismos (acadar, adicar, aledar, amosar, anceiar, imprentar, nova, respostar, verba, vindeiro, xuntanza…) pervivem ainda hoje, e mostram-se duros de extirpar, mais que nada por inércia e por desconhecimento dos seus usuários.
A reacção de Noriega
Conviria elaborar a história dessa disparatada fórmula Rematouse de imprentar. Num primeiro momento deveu de ser Acabouse de emprentar (ou semelhante), algo menos incorrecta2.
Ao respeito, há uma curiosa anecdota protagonizada pelo poeta Noriega Varela.
Em 1928 a editora Nós publicou o seu livro Como falan os brañegos. Noriega levava anos algo distanciado do movimento galeguista, conservando apenas a sua velha amizade com Otero Pedraio. Ao parecer foi o influxo deste o que conseguiu que a obrinha se publicasse na editora de Ângelo Casal. Ora, os editores modificaram o original de Noriega nalguns pontos, mormente de natureza linguística, o qual produziu grande desagrado no poeta, de modo que, em vez de conseguir-se uma aproximação ao galeguismo, o distanciamento foi ainda maior.
Testemunho desses factos fica no exemplar que o próprio Noriega dedicou a António Couceiro Freijomil, hoje conservado na biblioteca do «Instituto Padre Sarmiento», de Santiago: leva várias anotações de mão de Noriega, corrigindo ou apostilando algumas iniciativas dos editores. Entre elas, acha-se a desaprovação do colofom, que dizia: “Rematóuse de imprentar / en «nós» o vinte / de Septembro do / mcmxxviii”. A seguir, Noriega apostilou: “Rematóuse! Qué palabrota!! Al editor sí que había q[u]e. rematarlo… Con un nabo!!!”3
Como vemos, Noriega, que possuía um natural sentido do que é a autêntica fala popular galega, com os seus registos característicos, reaccionava contra o uso de rematar nesse contexto; e com toda a razão.
Dupla incorrecção
A fórmula Rematouse de imprentar apresenta duas incorrecções (ou, pelo menos, estranhezas para a língua mais usual): o emprego do verbo rematar seguido de infinitivo (em vez de acabar de, que se considerou erroneamente como castelhano), e sobretudo o pseudo-galeguismo (ou, pelo menos, marginalismo algo artificioso4) imprentar (em vez de imprimir, igualmente rejeitado por coincidir com o castelhano).
O mais correcto é Acabou de se imprimir (fórmula que podemos achar em muitos livros luso-brasileiros), entre outras variantes possíveis (algumas quiçá mais verídicas, como “Foi impressa esta obra”, a qual não prentede assinalar o momento final da impressão, pois esta informação hoje raramente coincide com a verdade histórica).
Em alguns livros galegos descobre-se uma fórmula algo melhorada, dependendo das editoras. Alguns apresentam “acabouse de imprentar”5; aqui corrigiu-se o rematouse de. Outros usam já uma fórmula correcta6. Mas muitos, infelizmente, continuam com a rutina do Rematouse de imprentar.
1 Sirva como exemplo, que tenho à mão, o seguinte: “Este discurso de ingreso […] rematóuse de imprentar no obradoiro de Artes Gráficas Galicia, S. A. o dia 30 de xaneiro do 1982” (Andrés Torres Queiruga, Nova aproximación a unha filosofía da saudade, Vigo 1981, pág. 83).
2 Assim a encontro, por exemplo, na obra de Florêncio Vaamonde Odas de Anacreonte, publicada na Corunha em 1897: “Na cibdá da Cruña, capital de Galicia, e na emprenta e libreiría de Carré, Real 30, acabouse d’ emprentar este libriño, sesta feira 18 do mes de San Juan do ano mdcccxcvii”. Similar na segunda edição dos Queixumes dos pinos de Pondal, publicada pola Academia Galega em 1935: “Acabouse de imprentar este libro na Cruña, imprenta de «Zincke Hermanos», o día 26 de abril de 1935”.
3 Vid. Xosé Ramón Freixeiro Mato, A cara oculta de Noriega Varela (biografia e textos esquecidos), Edicións Laiovento, Santiago de Compostela 1992, pp. 122-123.
4 Pouco importa que Marcial Valladares recolhesse no seu dicionário, publicado em 1884, uma forma emprentar, juntamente com os substantivos emprenta e emplenta (!), pois tal verbo, usado por alguns escritores por diferencialismo anti-castelhano, não correspondia ao uso real da fala.
5 Acho esta fórmula nas traduções galegas, publicadas pela Editorial Galaxia, das edições trovadorescas italianas de Airas Núnez, Martim Soárez e Pero da Ponte.
6 Assim, acho “acabou de se imprimir” no colofom do livro de Felipe Senén e Carlos Díaz Martínez Xesús Ferro Couselo: a búsqueda da identidade e o encontro cos devanceiros, Espiral Maior, A Corunha 1996.