O moinheiro da Brage (Conto)

O moinheiro da Brage

(Conto)

 

José-Martinho Montero Santalha

 

O moinho da Brage estava bem comunicado na beira da estrada. A gente levava os seus sacos de grão comodamente, em alforges, em burro ou mesmo alguns em cavalo ou em besta.

Gozava de boa fama e tinha tanto trabalho que precisava moer das seis da manhã até mais além da uma da noite. Habitualmente havia turno de espera: os fregueses deviam deixar os sacos aguardando que lhes chegasse a vez.

O moinheiro, Faustino  –um homem delgado e alto de formosos olhos azuis que pareciam iluminar o ambiente–  era afeiçoado à leitura. No inverno ficava só grande parte do tempo e entretinha o passo das horas lendo, ao abrigo cálido dos moinhos e ao doce som do seu rolar e da água que corria.

Quando chegava o verão, eram muitas vezes os nenos, em férias escolares, os que concorriam ao moinho, e nas longas tardes de espera reuniam-se arredor de Faustino para escutar as histórias das suas leituras.

Na realidade, Faustino contava um relato que surgia, mais que da sua memória da leitura, da sua fértil imaginação criadora. Assim contava, por exemplo, o Quixote.

            “Eram dois companheiros, Dom Quixote e Sancho, que viviam das esmolas que lhes dava a gente. Andavam sempre juntos, mas  –amigavelmente–  discutiam muito, porque Dom Quixote gostava do futebol e, pelo contrário, Sancho era amigo das touradas. O caso é que o pouco dinheiro que conseguiam como esmoleiros malgastavam-no nesses espectáculos…

            Um dia, passando pela beira de um prado, viram que estavam pastando um cavalo e um burro, e não se lhes ocorreu outra ideia que roubá-los, procurando que ninguém os visse. Montados Dom Quixote no cavalo e Sancho no burro, solenemente, escaparam para longe.

            Mas os donos dos animais denunciaram pouco depois a sua desaparição perante a polícia. Como não faltara quem os vira ir, logo foram declarados “em busca e captura” e a polícia dispôs um procedimento para detê-los quanto antes como prófugos da justiça.

            Porém, alguns vizinhos, sabedores da perseguição policial e compadecidos da pobreza dos dois prófugos, deram-lhes aviso benevolamente. Ante esta notícia, eles sem mais optaram por deixar livres os animais pascendo ao seu prazer num campo, e alongaram-se do lugar.

            Quando os donos puderam recuperar os animais, cessou a perseguição.

            E assim Dom Quixote e Sancho puderam continuar pacificamente a sua vida de mendigos”.

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