Dous modelos de sociolinguística

Uma linha de trabalho que poderia ser delineada, no âmbito da disciplina de conhecimento identificada como sociolinguística, é a procura de uma teoria geral ou, alternativamente, teorias explicativas parciais. Na perspetiva do investigador com pretensão de cientificidade, o avanço do conhecimento precisa de esquemas capazes de abranger e explicar a maior parte dos casos conhecidos, constituindo-se em guia de hipóteses e alvo de contrastação com os factos observados. Neste ponto um dos reptos é a universalidade, é chegar a explicações com validade intercultural.

Para fazer um breve apontamento do problema acudirei ao livro de Lluís V. Aracil Do Latim às Línguas Nacionais. Introdução à história social das Línguas Europeias (AAGP, Braga, 2004), em que se incluiu uma pormenorizada análise da obra araciliana, “Dizer o sentido”, da autoria de Josep Conill. Neste trabalho faz referência a dois paradigmas ou teorias gerais da sociolinguística, em que se inserem conceções divergentes e talvez contrapostas:

a) A araciliana do conflito linguístico, nascida do artigo «Conflit linguistique et normalisation linguistique dans l’Europe nouvelle» [que] supõe em certo sentido uma revisão das questões plantejadas por «Comunidad nacional, comunidad supranacional», mas agora analisadas de uma perspetiva netamente sociolinguística e com um refinamento teórico muito superior”.

O modelo desenvolve conceitos novos e aparentemente contraditórios. Explica-as Conill, sucintamente:

“Tal delineamento equivale —mesmo se Aracil não o disse de forma explícita— a considerar o sistema linguístico como um sistema aberto, sempre em equilíbrio precário por causa das coerções contraditórias procedentes do meio ambiente social. Conforme aos princípios da cibernética da época (Bertalanffy, 1968), caberia levar na linha de conta, também, as duas possibilidades de resposta sistémica a estas coerções: por um lado, a retroalimentação [feedback] negativa (= normalização linguística), responsável pelos comportamentos «propositivos» ou auto-regulados; e por outra, a retroalimentação positiva (= substituição linguística), referida aos processos auto-catalíticos ou de crescimento do sistema. No primeiro caso, podemos afirmar que este actua no sentido de reduzir a entropia interna. No segundo, por contra, a entropia sofre um acrescentamento e todo o sistema se encaminha para a sua dissolução. O conflito, então, consistirá no stresse provocado pelas disfunções do sistema linguístico respeito dos reptos procedentes do próprio entorno”.

b) A fergusoniana da diglossia, sobre a qual Conill faz a seguinte apreciação:

“o que resulta evidente neste caso é a distância existente entre o modelo araciliano e a diglossia, tanto no referente à versão fergusoniana original do conceito quanto à taxonomia posterior de Joshua A. Fishman, onde aparece em combinação com o bilinguismo. Em muitos sentidos, trata-se de equacionamentos opostos. O modelo conflitual de Aracil pretende dar conta de um processo dinâmico, que tem pouca relação com o estatismo característico da diglossia (Aracil, 1978).

Caberia dizer que a estaticidade assinalada por Conill representa a normalidade, o que António Gil nomeara como correlacionamento diglóssico, entre uma forma alta e unitária da língua, tanto no plano escrito como na ortofonia, e os falares, diversos pela sua natureza.

Na Galiza, os posicionamentos a favor da diglossia entre as falas regionais galegas e a Norma Galega do Português são o modelo proposto pela Academia Galega da Língua Portuguesa, assumido e praticado por um número crescente de utentes, numerosos ativistas e defensores dos direitos linguísticos, na esteira do melhor humanismo europeu, que foi a base para a criação das atuais línguas europeias. Uma dignidade entendida como o processo de esforço, pessoal e coletivo.

O facto de equacionar a sua necessidade assinala o caminho de uma tomada de consciência. Muda a relação entre os utentes e o objeto-língua. O distanciamento ou estranhamento percebido num primeiro momento entre o falar familiar, espontâneo, do utente, e a formalidade do padrão linguístico proposto, fica compensado pela perceção de utilidade e reforço da identidade, no plano pessoal como indivíduo, e no plano coletivo, como povo diferenciado.

O modelo sociolinguístico da diglossia é, na realidade, o das línguas nacionais em situação de normalidade – veja-se, para o caso, o exemplo da professora Marinus Pires de Lima, com a sociolinguística portuguesa das diferenças na fala. Seria mais adequado afirmar que o modelo de conflito linguístico serve para compreender descrever a situação das chamadas ‘línguas minorizadas’, objeto do Bureau européen pour les langues moins répandues? Conseguir uma hipotética integração entre ambos os modelos é um repto interessante, que nos poderia conduzir a uma melhor compreensão da realidade, e do nosso labor na sociedade.

  • Extrato da comunicação «Sociolinguísica e cientificidade na Galiza» (2003).

    Ler na íntegra.

 

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