Competência escrita: consciência, prática, tolerância, paciência

Deem licença e desculpem pela ousadia, pois este que escreve é tão analfabeto como qualquer outra das que se esforçam na tarefa de refazer diariamente o galego como língua escrita e de cultura.

E que percorrido, o de toda a gente, autodidatas, já na vida adulta, com voluntarismo e não pouco amadorismo, transitando momentos (lembranças, esforços e saudades) a normas e práticas de escrita diversas. Porteiro Garea, em 1916, dava conta (esqueçam isso retórico da raça) como ninguém desse momento:

Aquí me tedes, pesaroso e triste por non corresponder a intensidade do momento: ledo e venturoso, xa que por moi mal que fale, sempre me alumearía o lóstrego do ideal que nos xunta hoxe, e que dend’antano latexa n-o noso corazón.

Escribo en galego e escribo mal. ¡Qué queredes!… Nunca hastra hoxe, escribín. Xamáis mo ensiñaron nin eu me preocupei dó deprender! E agora, pregúntobos: si podo escribir –mal, todo o mal que vós queirades- no idioma que non deprendín nas escolas, nos epitomes nin nos dizionarios ¿n’e verdade qu’isa lingua debe ter raices moi fondas no meu peito, na y-alma da miña raza cando non-a enterraron para sempre os abandonos alleos e os propios? ¿N’e verdade qu’ese idioma é unha realidá forte e latexante que nós temos esquencida, pro que vive no noso esprito e que ten qu’esnaquizar a lousa qu’o cobre, sempre que fagamos ensamen de concencia e nos dispoñamos á recontar e cribar os valores que forman o edificio da cultura, e as espranzas da raza?

“FALAR Y-ESCRIBIR EN GALEGO, COMO SEIPAMOS” (A Nosa Terra, nº3, A Crunha, Dezembro de 1916)

Sempre com esforço, não importa qual fosse o périplo ou a peregrinação. A única diferença estriba em se tivemos mestres ou uma aprendizagem regrada, e como a língua se decora na habilidade e nas horas de prática metidas. Pois, todos os processos de aprendizagem exigem tempo. Não é doado, não dominar uma língua.

Richard Sennet, publicou lá em 2008 The Craftsman, um belo ensaio em que reflete a respeito do trabalho e a aprendizagem. Lá estabelece, em base à experiência histórica e a diversos estudos de psicologia moderna, que são necessárias umas 10.000 horas (no mínimo três horas por dia durante dez anos) para assimilarmos e aprendermos todas as rotinas e procedimentos de um trabalho e para executá-lo sem esforço. A qualidade do trabalho, mais do que do talento, depende, portanto, da prática.

A habilidade, de acordo com Sennett, é uma “prática treinada” e é adquirida pela repetição, melhor se guiada e corrigida. Isto é comum a todos os ofícios e artes.

Mas dominar uma língua não sempre foi dominar exatamente a sua ortografia e normas padronizadas. Se imos para atrás no tempo podemos encontrar nas penas mais elegantes as desviações mais notáveis. Pensemos por exemplo no castelhano agalegado, ou no português acastelhanado do conde de Gondomar, ou nas vezes que Rosalia e Pondal metem V por B e outras trapalhadas. Afinal não é, não, para tanto.

Cumpre dizer, que, realmente não foi apenas até 1844 – no Reino da Espanha – que os governos tomaram propósito de designar a nova ortografia castelhana da RAE como obrigada para as escolas. Todavia no 1846 nas proclamas da Junta Superior e nos escritos dos provincialistas e portanto na gente das gerações anteriores, observamos que parecem mais seguir, na escrita pre-RAE, ou as propostas de Bello (e Cuervo).

De feito tardou tempo em se consolidar essa Ortografia nova da RAE. E lá, na altura de 1865, Saco e Arce teria a original ideia de considerar que já que era a obrigatória e em uso para todas as escolas do Reino, pois talvez não era má cousa a aproveitarmos na Galiza e meu dito, meu feito, aí está para modelo, na sua Gramática. A primeira escrita a sério.

Saco e Arce shot first. E até hoje. Mas o mundo gira. Na década de 70-80, outra vez, as leis educativas de Espanha, condicionam também o modelo de galego para ensinar nas escolas. Levantam-se vozes críticas, reúnem-se no reintegracionismo.

Toda a gente que em determinada altura da vida percebeu por si própria ou por advertência de alguma pessoa discreta arredor que algo andava errado com a língua e começou a dar voltas até chegar a consciência de que era necessária uma virada na sua prática; foi também percorrendo outros e mesmos caminhos.

Reparem. Como no fim do poema famoso de Ayras Nunes, outro caminho convém a buscar, que muito e de errado vai o caminho andado:

En Santiago, seend’albergado
en mia pousada, chegaron romeus.
Preguntei-os e disseron – Par Deus,
muito levade’lo caminh’errado!
Ca, se verdade quiserdes achar,
outro caminho convén a buscar,
ca non sabem aqui dela mandado.

O amigo Fernando V. Corredoira, repete sempre que para educar os netos há que começar pelos avós. E desenganem-se, nós, estas três ou quatro gerações reunidas no esforço desta virada épica e tomada de consciência que é o reintegracionismo, somos apenas os precursores.

Os primeiros avós serão a rapazada nas Sementes ou a gente dessa geração, por vez primeira alfabetizada tendo também o português como língua de referência e cultura.

1 Comment

  1. arturovelo Novembro 18, 2020

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