NO PASSAMENTO DO COMPANHEIRO E AMIGO JOSÉ PAZ RODRIGUES

 * Uma versão anterior deste artigo foi publicada no PGL o 26 de abril de 2021.

 

Que difícil é falar das pessoas que sentimos por muito tempo tão próximas. De Pepe Paz fica-nos pegado como lapa o seu sorriso luminoso e a sua inocência. Sim ele era num oitenta por cento inocência, num dez por cento malandrice pícara, e noutro dez por cento ingenuidade. Como exemplo de malandrice pícara pois o facto de sempre tirar-se alguns ano ao dizer a idade. Essa sua ingenuidade não lhe impedia conhecer muitíssima gente e saber de todos alguma história ou de que pé andavam coxos.

José Paz viu a luz em 1948, um 12 de abril na Corna, uma aldeia da comarca do Carvalhinho, muito perto de Dozom, e lá teve o seu derradeiro descanso. Para ele nascer e estar na escola foi algo que aconteceu praticamente ao mesmo tempo, pois nasceu na escola d’A Corna.

Ele adorava a profissão de mestre, adorava as escolas e adorava os alunos, podia estar incansável arrodeado de crianças por horas sem fim, nesse meio estava como o peixe na água. E claro, fixo-se mestrei.

Desde 1971, dá o salto a que era na altura Escola Normal de Ourense, o centro de formação dos futuros mestres, e quando a sua aposentação, era professor de didática na já Faculdade de Educação da Universidade de Vigoii

Da sua etapa de mestre, tirou dos companheiros, bons amigos para toda a vida, e por cima de posicionamentos e visões do mundo, a fidelidade com os amigos em Pepe Paz permanecia. Teve vários anos de companheiro de escola a José Luís Baltar, o que andando o tempo se havia de converter em cacique ourensão de velha escola., e a sua amizade permaneceu inquebrável…. Isso era o comum para todos os que tivemos a sorte de tê-lo como amigo.

Desde muito novo, uma das suas preocupações, amores e anseios, foi a Galiza, a sua pátria, que se juntou uma paixão que o recozia, os livros, era leitor incansável e procurador de livros em qualquer canto do mundo.

Para todos os seus amigos ele tinha fama de austero e um chisco agarrado, mas quando o assunto eram livros, desaparecia qualquer prevenção ainda que essa prevenção estive-se bem incutida no seu ADN.

A sua biblioteca ou bibliotecas, ultrapassaram mais de 30000 volumes, ele dizia 36000, repartidos em vários locais, a mais grande está nas Galerias Roma em Ourense, mais também na casa da aldeia e noutros locaisiii. Nos livros havia vários campos de interesse, por um lado os que tinham, a ver com a Galiza e a sua cultura no sentido mais extenso do tema, tinha todo do reintegracionismo,. Por outro os do mundo da didática e o ensino. Estavam também os ligados a sua paixão polo cinema, por isso esteve sempre ligado ao Cine Clube Padre Feijóo de Ourense e a muitos outros cineclubes e federações de cineclubes. E uma última e profunda paixão que era o grande poeta da Bengala, Rabindranath Tagore, de Bangla, como dizia ele que chegou a dominar a língua bengali. Tagore foi objeto do seu demorado estudo, tema da sua tese de doutoramento, estava trabalhando neste momento num livro sobre Tagore e a Lusofonia.

O que sentia por Tagore, e essa paixao tagoriana dele, levara-o neste século XXI a ir a universidade fundada por Tagore de Santiniketaniv, e que descobrira a Índia, toda uma nova paixão, para ele. Começou por ir uns meses a universidade e acabou por passar até oito meses ao ano trabalhando na Índia, trabalhando na universidade, trabalhando com crianças, criando um clube nacionalista galego em Santiniketan…e convidando a amigos e amigas a irem até lá para descobrirem a Índia e a semente frutificada do espírito de Tagore.

Nos anos 70 do século passado, ele é das primeiras pessoas em enveredar, que o futuro da nossa língua nacional, tem que se enxergar com o português, o galego com sucesso. Galiza, dizia ele, é uma grande Olivençav. Entre os seus amigos estavam Issac Alonso Estraviz, Antonio Gil Hernández, José Luís Fontenla, Adela Figueroa Panisse etc, curiosamente nenhum deles discípulo de Carvalho Calero.

Pronto adere as Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, a primeira entidade reintegracionista que houve na Galiza, afirmando-se como tal. E ele e os demais apostam polo BNPG, e logo BNG, pois politicamente achavam que era a única força com um forte substrato e que não se abaixaria ante os dominadores, nem aceitaria a dominação subliminal do castelhano, a começar pola ortografia do castelhano para a nossa língua, frente à nossa histórica, pois a dependência do castelhano converte-o na norma de correção da nossa língua.

Quando dous anos depois nasceu a AGAL no 1981, ele lá está.

Nas primeiras eleições municipais em muitas localidades nas que agiam reintegracionistas no BNG, como em Ponte Vedra, Vigo e outros lugares, realizou-se propaganda pública na norma que gastavam as Irmandades da Fala da Galiza e Portugal. Ele comentava, -Paco Rodrigues e Pilar Garcia Negro, vultos ideológicos do Bloco são reintegracionistas-.

Fontenla logo amostrava com estatísticas bem elaboradas, que a propaganda reintegracionista não produzira nenhuma desviação padrãovi no voto ao Bloco, com respeito a outros lugares onde a propaganda, fora em temas de escrita bem pacata, ou incluso a leitura era outra, quanto mais pacata menos incidência. Lembro duma assembleia em Compostela onde Fontenla acabou se ganhado o auditório todo.

José Paz era desde o começo membro da ASPG (associação socio-pedagógica galega). Em 1980 a associação põe em marcha a revista o Ensino destinada ao mundo do ensino e ao mundo dos professores e dos sindicados na UTEG (Uniom de Trabalhadores do Ensino da Galiza). O número zero aparece em 1980. A revista era quadrimestral

O debate sobre o modelo de língua, era bem intenso, acabavam de sair a luz as normas da Comissão estabelecida pola Junta pre-autonómica da Galiza (BOG num. 6 Maio de 1980). O ILG e o governo do estado queriam fazer delas águas de bacalhau. A língua nacional da Galiza, após séculos de exclusão ia entrar no ensino.

A revista O Ensino, os seus primeiros números são um tesouro arqueológico dos primórdios do reintegracionismo. A partir do número 4 de 1982, a revista é claramente reintegracionista, e percebe-se que só esse é o futuro de sucesso para a língua. Isso fora o resultado de um grande debate interno, claramente ganhado no seio da associação, em realidade os contrários ao reintegracionismo acabavam usando o simples argumento de que somos galegos e não portugueses.

A UPG/BNG decide dar um golpe na ASPG. Realiza-se uma assembleia na que aparece um monte de gente trazido a rebato, que logo nunca mais voltará a aparecer. A assembleia toma carateres incríveis, tira-se qualquer competência aos reintegracionistas, elege-se uma direção ad hoc, Lá se berra, já esta bem, somos galegos e não portugueses, não percebendo que ao berrarem isso, estão dizendo, somos espanhóis e não portugueses.

José Paz o grande inocente ficou profundamente abalado, aquela atuação que vinha de viver parecia-lhe incrível, não entendia como se chegara a aquilo, com gentes que diziam para ele uma cousa e agiam no senso contrário.

A ASPG passou a ter controlo UPG cento por cento, e o Ensino revista da ASPG, desapareceu por muitos anos, até os anos 90 e com baixíssima frequência, nem nada se realizou fora das jornadas do ensino, nas férias de verãovii. Para olharmos onde se acha a linha ganhadora da assembleia é muito boa a entrevista que a atual porta-voz do Bloco deu ao Portal galego da Língua há uns dias. https://pgl.gal/ana-ponton-o-planeamento-linguistico-do-governo-de-feijoo-foi-regressivo/

Os reintegrantes ao dia seguinte já estavam agindo, constituíram uma nova associação a ASPGP (associação sociopedagogica Galiza Portugal). A revista Ensinoviii continuou publicando-se, e aí temos a homens como o tacanho José Paz, achegando recursos e fazendo de angariador, para que a cousa fosse avante. Publicara-se até o número 28, publicou-se outra nova revista de ensino Temas de Ensino, (38 números). Publicarom-se também brochuras de especial divulgação e inúmeras unidades didáticas, não poucas elaboradas por José Paz. Realizaram-se inúmeras jornadas do ensino. E tudo isto a vez que colaborava com outros projetos reintegracionistas como Nós, Cadernos do Povo etc. E os inúmeros meios em que colaboravaix

No 1994, julho, tivem a honra de compartir com ele 5 dias duma grande viagem a Lisboa, organizado pelos amigos portugueses da revista Portugaliza (dactilografada), A nossa viagem foi de grande impacto mediático em Portugal.

Iamos José Paz, Maria do Carmo Henriquez, Vilhar Trilho, Isaac Alonso Estraviz, Joel R. Gomes. Carlos Garrido, Alberte Garcia Vessada e mais dous reintegrantes que não eram da AGAL, e das que não lembro o nome.

Foi muito frutífera a troca com os colegas portugueses, tivemos um acesso aos meios de todo tipo, incrível, e re-encetávamos um caminho, já algo desbravado por outros, e que desde aquela não deixou de se alargar. Além disso estivemos uma tarde com Guerra da Cal e a sua mulher Elsie da Cal, na sua Casa, e logo numa ceia bem fantástica. Mas isso sim, do encontro com a Guerra da Cal, está publicado uma pequena crónica de Joel Rodrigues Gomes na Agália núm. 39x,.

José Paz voltou entusiasmado, com o entusiasmo com o que era agora sócio dos Colóquios da Lusofoniaxi, que tanto tenhem fornecido à Galiza. Existiria a AGLP sem os Colóquios?.

Em 2007 eu presidia uma equipas que foi eleita para dirigir a AGAL, e ele formava parte da mesma. Muita cousa achegou ao funcionamento da AGAL e desfrutamos do seu dinamismo, e nesse período aconteceu que no ano 2008, teve um problema com La Region. Ele sempre mantivera bom relacionamento com José Luis Outeirinho, o velho proprietário do jornal, e ele garantia ao José Paz, sempre um espaço para os seus artigos, isso sim, limitando bastante o seu tamanho. No 2008, o filho e a filha mandavam no jornal, e decidem eliminar a José Paz de colaborador. Aquilo deixou-o realmente zangado. Digem-lhe, não vai sendo hora de publicares na nossa web. E começou a fazê-lo. Além disso ele colocava-se metas e desenhava futuros artigos muito antes de ser publicados. Vultos da Galiza, Vultos da Lusofonia, Aulas de Cinema. Vultos da Cultura Universal. Só na última etapa do PGLxii, a atual, escreveu da ordem de 400 artigos, que somados aos das etapas anteriores, andam bem por cima dum milhar.

Tinha a sua atividade atual centrada nas colaborações com o PGL que não lhe impediam fazê-lo com outros meios, nem que se reduzi-se a a sua atividade na Fundaçom Meendinho. Aquilo era para ele uma obriga auto-imposta, que se não podia cumprir fazia-o se sentir realmente mal.

O 3 de Março foi o seu derradeiro artigo, achava-se realmente mal, e estava pendente de uma operação de coração que era um bocado complicada, pediam-lhe inúmeros analises anteriores, e ele não estava regendo bem, foi internado duas vezes antes de ser operado.

Pediu-me que por favor fala-se com a diretora do PGL, já que não tinha o contato (o dele e a telefonia, daria para um tratado), para informá-la, que suspendia a colaboração, mas que superada a operação ia estar aí trabalhando para que não faltassem os seus estudos e depoimentos no PGL.

A segunda feira passada foi operado em Vigo, a quinta feira ele sentia-se realmente bem, a sua filha Núria dera-lhe o telefone para poder ler os correios e tinha-se já disposto a começar a enviar-nos mensagens para informar que tudo ia bem. Enquanto escrevia uma mensagem para amiga Curra, a tarde da quinta feira, o seu coração corajoso e ferrenho, parou.

Mas nos nossos corações e mentes ele permanecerá para sempre.

 

Alexandre Banhos – Fundaçom Meendinho

 

NOTAS

iNos anos 90 do século passado montou uma Ludoteca, bem reintegrante e normalizada, num local amplo, que era um porão, mas que ficava alto e luminoso sobre o Barbanha. Estava segundo se passar ponte sobre o rio Barbanha que leva ao bairro do Couto, era no primeiro prédio a direita. Lá ele passava horas a fio do seu tempo livre arrodeado de crianças. Num momento dado a propriedade pareceu-lhe ser aquilo um negócio da China e pediu-lhe um grande acréscimo de renda. Teve que fechar, com muita tristeza, e o local nunca mais ninguém se interessou por ele.

iiNesta nota da Academia Galega, da que era membro, está bem resumido o seu percurso profissional

https://www.academiagalega.org/academia/info-atualidade/item/1954-falecimento-do-académico-josé-paz.html

iiiUma das suas grandes preocupações era de qual ia ser o futuro do seu património bibliográfico, em janeiro realizou um convénio com a Deputação de Ourense, para que esta coloque a disposição do público as suas bibliotecas

https://www.elcorreogallego.es/tendencias/o-profesor-jose-paz-ofrece-as-suas-bibliotecas-a-deputacion-ourensa-CE6042325

viiFalando há uns anos com o responsável da ASPG, e de como estanharam todo um processo alegre e combativo pola língua e polo ensino de qualidade que se estava vivendo, Ele disse-me: Não esqueças Alexandre que a ASPG fomos quem negociou o acordo ortográfico, por iniciativa nossa com as gentes do ILG/RAG, e isso foi grande passo avante para o país.

Respondim, foi a vossa rendição a eles, a negociação para aceitar a rendição, e mais quando havia bem tempo, se é que alguma vez se cumpriu, que a prática das normas de mínimos da ASPG, salvo pequenos detalhes e não muito conflitivos, se cumpria.

viiiA revista Ensino é acessível na Universidade da Rioja . Isso sim está mal classificada a quem pertencia e quem eram os editores. E faltam o número 5 e os 23, 24, 25, 26, 27, e28

https://dialnet.unirioja.es/ejemplar/410093

ixNa página da Academia e na nota sobre ele, há uma longa relação de meios. Eu destacaria pelo seu volume nesta época o jornal La Region,

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